Quem proibiu os cassinos no Brasil, em 1946, foi o presidente Eurico Gaspar Dutra, mato-grossense de Cuiabá, sob o argumento da moral e dos bons costumes. Décadas à frente (1961) foi a vez do presidente Jânio Quadros, sul-mato-grossense de Campo Grande, também sob o mesmo fundamento, proibir as rinhas de galo e restringir o funcionamento dos jóqueis-clubes no país.
Passados quase 80 anos do ato de Dutra, os cassinos físicos seguem impedidos de funcionar no país. No caso de Jânio, o decreto que assinou há mais de 60 anos proibindo não só as brigas de galo, mas a luta entre animais, avançou e agora a prática é considerada crime ambiental. Nessas medidas ancoradas na ‘moralização dos costumes’, se cumpre ainda, até hoje, a proibição, por Jânio, do lança-perfume.
Com relação aos cassinos, a reabertura das casas dos ‘jogos de azar’ segue polêmica. Nessas décadas passadas, o tema não ficou de fora do radar da sociedade e dos políticos. Agora mesmo, no Senado Federal, em dezembro de 2024 e neste julho de 2025, votações em plenário do projeto de lei que quer legalizar cassinos, jogo do bicho, bingos e caça-níqueis, sob algumas condições, foram adiadas.
Mesmo com Dutra e Jânio fora de cena, uma das barreiras para não legalizar, de forma física, a exploração dos cassinos e apostas é a mesma de décadas atrás – “jogos e apostas são nocivos à moral e aos bons costumes”. Em outra ponta, no entanto, a premissa não se aplicou ao universo digital do mundo moderno. Nesse ambiente, no Brasil, sites de apostas online, as ‘bets’, operam legalmente.
De volta aos cassinos físicos, no Senado, defensores do projeto alegam que “não faz sentido o país permitir jogos online, como apostas esportivas e cassinos, e abrir mão de atividades presenciais que poderiam gerar empregos e arrecadação”. Já os críticos dizem que regularizar mais atividades do ramo “vai agravar problemas como vícios em jogos e endividamento, além de favorecer a lavagem de dinheiro pelo crime organizado”.
Não há nova data para o projeto voltar à pauta da Casa. O presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) disse que o assunto “é divisivo”. Em reportagem, o jornal A Gazeta (13.07) revelou que há também controvérsia sobre o tema entre os senadores de MT. Jayme Campos (União) e Margareth Buzetti (PSD) se posicionam a favor da exploração dos cassinos, enquanto Wellington Fagundes é contra.
Se aprovado, o texto permite cassinos físicos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer. O jogo de bingo seria liberado tanto na modalidade de cartela como eletrônica e de vídeo bingo. Além disso, seria legalizado o jogo do bicho e regulamentado ainda o aluguel de máquinas caça-níqueis. Prevê também a criação de dois impostos sobre o setor, cuja arrecadação seria dividida entre União, estados e municípios.
Precisamente sobre os cassinos, o limite seria de apenas um, por estado, em resorts e hotéis de alto padrão. Considerando tal critério para funcionamento, MT, rapidamente, se apresenta com o Malai Manso Resort, no Lago do Manso, cerca de 90 km de Cuiabá. O Malai, conforme se anuncia, já oferece aos hóspedes um ‘cassino recreativo’ como parte da programação de férias de verão e eventos.
Quanto ao mercado de apostas esportivas online no Brasil, regulamentado em 2023, as informações são de que há 172 plataformas digitais legais no país. Ano passado, foi instalada a CPI das ‘Bets’ para investigar o impacto que as apostas online causam no orçamento das famílias brasileiras, apurar supostos vínculos com crime organizado e identificar irregularidades na atuação de influenciadores que divulgam as apostas.
Porém, a CPI encerrou os trabalhos em 12 de junho último, com a rejeição do parecer da senadora Soraya Thronicke por quatro votos a três, sem pedir, portanto, indiciamento de influenciadores e empresários ligados a ‘bets’. As chamadas apostas de quota fixa se referem às apostas online esportivas (‘bets’) e aos jogos online que se assemelham aos cassinos, como o Jogo do Tigrinho.
De qualquer forma que se apresente, seja presencial ou online, observa-se que, no tempo presente, os jogos e as apostas seguem cercados de desacordos, viés religioso e conflitos ideológicos. O que não os distanciam muito dos debates do passado. Segundo uma versão da história, a proibição dos cassinos pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra foi a pedido de sua esposa, a primeira-dama Carmela.
Ela seria a responsável por incitá-lo a proibir ‘os jogos de azar’. Fato ou fake, Dona Santinha, como era conhecida a primeira-dama, teria, à época, aderido à cruzada religiosa “contra o ambiente viciado e libidinoso dos cassinos” e pressionado o marido presidente a fechá-los. No auge (décadas de 1930, 1940), mais de 70 casas de apostas funcionaram no Brasil.
Nestes tempos de 2025, por conta dos escândalos e exploração das atuais casas de apostas online, que patrocinam até jornadas esportivas, talvez os conterrâneos Dutra e Jânio permanecessem na defesa ‘da moral e dos bons costumes’, bandeira de ambos no passado, não permitindo, em consequência, a derrubada da proibição dos cassinos físicos. Será?
Sônia Zaramella é jornalista e professora aposentada do curso de Jornalismo da UFMT.