Estávamos em maio de 1967. Numa sala cheia da Universidade de Viena, o filósofo alemão Theodor W. Adorno subiu ao púlpito para falar de um passado ainda demasiado presente: o regresso da extrema-direita alemã, pouco mais de vinte anos após o fim da guerra. Fundado em 1964, o NPD ganhava expressão eleitoral e reintroduzia no debate público ideias que a história parecia ter encerrado. Adorno, judeu, forçado ao exílio nos Estados Unidos e regressado com a missão de contribuir para a reconstrução de uma cultura democrática, reconhecia nesse crescimento sinais inquietantes. Este foi o tema da conferência, conhecida durante décadas apenas através de uma gravação e publicada em 2019 (Aspetos do Novo Radicalismo de Direita, Edições 70).
A sua intervenção foi marcante por deslocar o olhar do conteúdo para a forma. O programa do “novo radicalismo de direita” parecia-lhe vazio. O que o alarmava era o reaparecimento de técnicas de comunicação já conhecidas: a construção de inimigos convenientes, a difusão de suspeitas vagas sobre forças ocultas, a corrosão da confiança nas instituições e a exploração sistemática de frustrações coletivas. Nada disto era novo, mas continuava a revelar-se eficaz. Entre essas técnicas, uma destacava-se: a insinuação. Alguns jornais disseminavam pequenas alusões, repetidas ao longo do tempo, capazes de produzir um clima de suspeição, formalmente dentro da lei, mas com efeitos públicos profundos.
Ler hoje a meia centena de páginas desta conferência é reconhecer um mecanismo que terá regressado sob novas formas. A técnica que Adorno via no National-Zeitung reaparece em slogans, em vídeos breves, em cartazes. Já muito se disse sobre o outdoor onde se lê que “Isto não é o Bangladesh.” A frase é factualmente inatacável. Mas, não o dizendo, insinua que determinadas pessoas que vivem entre nós não são de cá. Aponta-as como um “eles” difuso, que se comporta de modo diverso ou fala mal a nossa língua. Um inimigo.
É aqui que o velho mestre parece falar para o presente. No pós-guerra, eram a televisão e os jornais; hoje, são as redes sociais, os algoritmos e o fluxo constante de conteúdos. A propaganda modernizou-se: é hoje mais simples de difundir e, por isso mesmo, potencialmente mais perigosa.
Em 1969, física e moralmente debilitado, Adorno viu uma aula sua ser invadida com violência por estudantes radicalizados que o acusavam de estar desligado da realidade. O confronto, duro e humilhante, abalou-o de forma profunda. Seria a sua última aula: tinha 65 anos e morreria poucas semanas depois. Mas manteve firme a convicção: o perigo não reside apenas no que se diz. Está sobretudo nas formas que moldam as perceções e, com elas, a própria possibilidade da vida democrática.
A história não se repete, mas tem ciclos. Hoje, é fácil imaginá-lo de novo naquela sala de Viena, como em 1967. A ajeitar os óculos, o olhar atento, a explicar que os velhos padrões regressam sempre – discretos, reformulados, mas reconhecíveis. O aviso ficou no ar. Cabe-nos, mais uma vez, escutá-lo.
Gil Ferreira é professor e pesquisador do Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal.

























