A recente decisão do TRF1 que suspendeu a extensão da patente da liraglutida marca um momento decisivo para o mercado de “canetas emagrecedoras” no Brasil. Com previsão de movimentar R$ 5 bilhões em 2025, segundo relatório do BTG Pactual, este caso oferece insights sobre como construir estratégias de proteção intelectual robustas.
O Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) conquistou uma vitória importante, alinhada com a decisão do STF na ADI nº 5.529, que limita patentes a 20 anos contados do depósito. A partir de agora, laboratórios como EMS, Cimed, Biomm e Prati-Donaduzzi podem lançar genéricos da liraglutida, o que promete preços até 60% menores.
Para a EMS, aliás, que investiu mais de R$ 1 bilhão e projeta 250 mil canetas anuais, como as chamadas Olire e Lirux, representa a conquista de um mercado até então exclusivo. Para pacientes, significa maior acesso a tratamentos essenciais. Para aqueles que buscam outros objetivos, um alívio no bolso e até mesmo na cintura tão desejada.
Este cenário ilustra por que empresas inovadoras precisam pensar na proteção intelectual como um ecossistema integrado, não apenas como uma patente isolada. A Novo Nordisk, por exemplo, mantém as marcas registradas de seus produtos Saxenda e Victoza. Isso significa que, mesmo com genéricos no mercado, nenhum concorrente pode usar essas denominações específicas. É uma proteção que não expira em 20 anos.
Tanto que existem camadas de blindagem: desde desenho industrial, formas distintivas de aplicadores podem ser protegidas separadamente; trade dress, o conjunto de elementos visuais que identificam produtos na farmácia (cores, formatos de embalagem, tipografia); segredos industriais, os processos de fabricação, formulações específicas e know-how; até portfólio de marcas, proteção de denominações, slogans e elementos que criam conexão com consumidores.
A questão é que, em breve, teremos um mercado em ebulição. O setor de análogos do GLP-1 deve crescer 10% em 2025, o que representa 1,5% do mercado farmacêutico brasileiro. A democratização do acesso, impulsionada pelo fim das patentes, promete expandir ainda mais esse universo. A Anvisa já publicou editais para medicamentos à base de semaglutida (Ozempic/Wegovy), o que sinaliza que outras “canetas” seguirão o mesmo caminho.
O caso da liraglutida representa a dinâmica natural do sistema de patentes, não uma falha estratégica. O desafio real está em construir valor que transcenda a exclusividade técnica. No setor farmacêutico, em que desenvolvimento leva 10-15 anos e custa até bilhões, todo elemento de diferenciação conta. Marcas fortes, processos únicos e relacionamentos sólidos com prescritores e pacientes se tornam ativos duradouros.
A entrada de genéricos democratiza tratamentos, mas também força inovadores a repensarem estratégias: patentes protegem invenções por 20 anos. Estratégias inteligentes protegem negócios por décadas. Empresas que investem apenas em P&D técnico competem em preço, já aquelas que constroem ecossistemas de proteção competem em valor. Inovação está em criar diferenciação sustentável que sobreviva ao fim das patentes.
Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Intelivo Ativos Intelectuais
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