
Quatro anos após o lançamento da pedra fundamental e dois anos depois do prazo contratual previsto para sua conclusão, a Casa da Mulher Brasileira de Cuiabá segue sem funcionar e sem nova data de entrega. O equipamento é anunciado desde 2021 como uma das principais políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero na capital de Mato Grosso.
O lançamento ocorreu em setembro daquele ano, com a presença da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, além de autoridades municipais, estaduais e federais. À época, a obra foi apresentada como um marco para a rede de proteção às mulheres no estado, após ao menos seis anos de expectativa em torno do projeto.
Segundo a atual gestão da Prefeitura de Cuiabá, a obra teve início apenas em abril de 2023, com prazo contratual de 300 dias, o que previa a conclusão em dezembro do mesmo ano. Mesmo após esse período, o prédio não foi entregue em condições de funcionamento, e o contrato com a empresa responsável acabou rescindido em 2025.
Em nota enviada à reportagem, o Ministério das Mulheres afirmou que o Centro de Referência da Mulher Brasileira (CRMB) de Cuiabá está com 95% da obra executada. De acordo com a pasta, a empresa vencedora da licitação não teve o contrato renovado por não cumprir exigências legais, e a prefeitura informou ao ministério que acionou a Procuradoria do Município para viabilizar a contratação de uma nova empresa.
Já a Prefeitura de Cuiabá atribui o atraso a falhas na execução do contrato. A administração municipal afirma que vistorias técnicas identificaram descumprimento do cronograma físico-financeiro, baixa qualidade dos serviços prestados e necessidade de retrabalhos. Segundo a gestão de Abílio Brunini (PL), ao longo de 2025 a empresa executou apenas 2,66% da obra. A rescisão contratual teria se dado diante do risco de a obra não ser concluída mesmo em 2026.
Questionada sobre uma nova previsão de entrega, a prefeitura informou que a retomada do projeto depende da superação de entraves jurídicos e administrativos relacionados ao convênio federal firmado com a Caixa Econômica Federal. A administração municipal estima que os trâmites para a contratação de uma nova empresa possam levar cerca de três meses, mas não apresentou data para a conclusão da obra.
O valor inicial da obra era de R$ 1,56 milhão, reajustado para R$ 1,9 milhão em agosto de 2024. Segundo a prefeitura, a estimativa é que sejam necessários entre R$ 300 mil e R$ 320 mil adicionais para finalizar o equipamento.
Críticas da oposição
Enquanto a Casa da Mulher Brasileira segue inacabada, a prefeitura afirma manter outros serviços de atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade na capital, por meio da Secretaria Municipal da Mulher. A gestão, entretanto, enfrenta críticas a respeito do combate à violência de gênero. Neste mês, a vereadora Maysa Leão usou a tribuna na Câmara de Vereadores para acusar o prefeito de negligenciar proteção a vítimas de violência sexual em Cuiabá.
A parlamentar retomou denúncias que vem fazendo desde o início do mandato e citou, como exemplo, o fechamento da antiga Rede Sentinela, estrutura de acolhimento que funcionava em unidades de pronto atendimento. Segundo ela, a Prefeitura justificou a desativação por inadequações estruturais, mas poderia ter reformado ou readequado o espaço. “Ele optou por fechar. Optou por centralizar o atendimento no HMC. Optou por deixar mais difícil para as mulheres vítimas de violência”, disse. Na ocasião, a redação procurou a Prefeitura por meio de sua assessoria, mas não obteve resposta.
Dados da edição 2025 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que Cuiabá figura entre as 50 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes com as maiores taxas de estupro. Em 2024, a capital ocupou a 43ª posição, com uma taxa de 63,7 ocorrências para cada 100 mil habitantes.
Confira a nota da Prefeitura na íntegra:
Nota de Esclarecimento
A obra da Casa da Mulher Brasileira teve início em 4 de abril de 2023, com prazo contratual de conclusão previsto para 4 de dezembro de 2023, totalizando 300 (trezentos) dias para execução integral do objeto. Contudo, mesmo após transcorridos mais de dois anos desde a emissão da ordem de serviço, a obra permanece sem conclusão definitiva.
Ressalta-se que, ao final do ano passado, a administração anterior promoveu a entrega sem que este estivesse devidamente concluído. Registros audiovisuais da inauguração evidenciam falhas estruturais e de acabamento, como janelas sem instalação adequada e a presença de restos de materiais de construção, demonstrando a precariedade da execução e a impossibilidade de entrega do equipamento em condições adequadas de funcionamento.
Em vistoria técnica realizada em novembro deste ano, com a participação da primeira-dama e vereadora Samantha Iris, da secretária municipal da Mulher, Hadassah Suzannah, e do secretário adjunto de Obras, Mateus Silva Alves, foram constatadas diversas irregularidades, dentre as quais se destacam: atrasos injustificados, morosidade recorrente, descumprimento do cronograma físico-financeiro, baixa qualidade dos serviços executados, necessidade de retrabalhos e ausência de uma retomada efetiva da obra, mesmo após sucessivas oportunidades concedidas à empresa contratada. Tais falhas comprometeram gravemente a continuidade do empreendimento e seu relevante propósito social, especialmente por se tratar de um equipamento destinado ao atendimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.
Além dessa ação, ao longo do período foram realizadas inúmeras notificações, reuniões e vistorias conjuntas envolvendo a Secretaria de Obras, a Secretaria Municipal da Mulher e a Caixa Econômica Federal. Ainda assim, no decorrer de 2025, a empresa executou apenas 2,66% da obra, percentual considerado praticamente insignificante frente à complexidade e à urgência do projeto.
Diante do ritmo irrisório de execução, da baixa qualidade dos serviços apresentados e do forte indicativo de que a obra não seria concluída sequer no ano de 2026, a Prefeitura decidiu pela rescisão contratual, por entender que a manutenção do contrato representaria risco concreto de não entrega do equipamento e prejuízo ao interesse público.
Paralelamente, a atual gestão segue fortalecendo a política pública de atendimento às mulheres. De janeiro a outubro deste ano, mais de cinco mil mulheres foram atendidas pelos serviços da Secretaria Municipal da Mulher, com acesso à escuta qualificada, apoio psicológico, orientação jurídica e suporte social, incluindo programas de empregabilidade voltados à retomada da autonomia e da segurança.
No total, 5,4 mil pessoas foram alcançadas pelas ações da Secretaria, incluindo a oferta de mais de 1.000 vagas em 24 cursos de qualificação profissional, somando 630 vagas disponibilizadas. Destas, 545 alunas iniciaram os cursos, sendo que 303 já concluíram a formação.
No mesmo período, foram registrados quase 2,5 mil atendimentos no Espaço de Acolhimento da Mulher (HMC) e na Sala de Acolhimento da Mulher (SMM), além de 316 acolhimentos realizados na Casa de Amparo, equipamento gerido pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Direitos Humanos e Inclusão.
Adicionalmente, foram repassados R$ 266.032,00 às famílias de crianças órfãs do feminicídio, por meio do Projeto Solidariedade em Ação. O benefício, correspondente a um salário mínimo por criança, foi reajustado conforme o piso nacional vigente em 2025, no valor de R$ 1.518,00. A atual gestão também quitou R$ 24.004,00 referentes à competência de dezembro de 2024, pendência da administração anterior, totalizando um investimento de R$ 290.036,00.
A Prefeitura reafirma seu compromisso com a transparência, a boa gestão dos recursos públicos e, sobretudo, com a garantia de políticas efetivas de proteção, acolhimento e promoção dos direitos das mulheres.

























