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A cineasta e produtora de conteúdo Isabela Ferreira, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), foi a entrevistada do segundo episódio do podcast do projeto Speculum, uma parceria internacional entre pesquisadores do Brasil e de Portugal que têm estudado documentários, especialmente autobiográficos, em língua portuguesa de cineastas mulheres desses dois países. Disponível no Spotify, a entrevista trata, entre outros pontos, da experiência de Isabela em ter retratado em suas produções sua própria vivência como mulher negra.
Carioca, Isabela chegou à Cuiabá em 2015 para cursar Comunicação Social na UFMT. De lá para cá, acumula produções protagonizadas por mulheres negras, como os videoclipe “Artista sozinho”, da cantora Negalu (2023), “Suor e melanina” (2022) e “Orgulho” (2021) da rapper Pacha Ana (2021); e o documentário “As mãos beneditas de Justina” (2021).
Um dos destaques de sua produção audiovisual é o curta “Como ser racista em dez passos”, que teve roteiro escrito em 2016, durante uma aula da faculdade. A produção foi rodada em 2018 e ganhou prêmios como o de “Melhor Ficção” pelo Júri Oficial da III Mostra de Cinema Negro e do júri popular da 17ª MAUAL (Mostra de Audiovisual Universitário e Independente da América Latina), além de ter sido destaque em outras mostras e festivais por Mato Grosso e pelo Brasil.
“Das dez histórias dali, umas seis são minhas. Então é muito pessoal. Foi uma forma diferente de retratar esses sentimentos que eu sempre senti. Poder colocar isso em um filme é diferente. Por isso eu gosto muito de revê-lo. O racismo não é só a sua cor, mas ao seu cabelo também, a tudo. (…) A questão do turbante, da ancestralidade que não é respeitada. Também retratamos a balada, como as pessoas negras não são as escolhidas. São situações que ao longo da minha vida eu fui vivendo. São coisas sutis, mas que ainda sim causam incômodo”, relembrou Isabela durante a entrevista concedida aos jornalistas Pedro Pinto de Oliveira e Júlia Munhoz, do PNB Online.
Estar à frente da direção e roteirização de produções desse tipo tem sido de grande aprendizado para Isabela. Durante a entrevista, a cineasta relata como essas funções são quase sempre exercidas por homens brancos e como ocupar esses espaços se configura como um gesto importante no combate ao racismo. “Antes de gravar esse documentário, eu nunca achei que eu pudesse exercer um cargo assim em uma produção audiovisual. Eu sempre fazia produção, por exemplo. Nunca cargos de protagonismo. Para mim, esse foi um passo muito grande. Eu me reconhecer como diretora, roteirista. De ver que sou tão capaz quanto homens brancos que dominam esse mercado. De poder me ver nessas pessoas negras fortes e protagonistas”, afirma.
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O podcast debate ainda a produção de cinema militante, entendido como expressão cinematográfica comprometida com a luta política e social. Para a cinesta, esse tipo de produção possibilita utilizar o poder do cinema como uma ferramenta para promover mudanças e combater sistemas de opressão, como o racismo. “É para trazer à tona que essas questões não estão ‘ok’. Nós precisamos discutir, falar que incomoda. Mesmo que eu tente trazer de uma forma mais leve, com um pouco de humor, são questões que precisam ser discutidas. O racismo está aí e não podemos mais fingir que não estamos vendo”.
Ouça o podcast na íntegra neste link.
Mais sobre o Speculum
O projeto Speculum é uma iniciativa internacional de pesquisa que se dedica ao estudo dos documentários autobiográficos realizados por cineastas portuguesas e brasileiras nas últimas décadas. A equipe do projeto é multidisciplinar e está comprometida em unir os estudos cinematográficos aos estudos de gênero, direitos humanos e outras artes.
O nome “Speculum” remete ao ato de olhar para dentro e filmar uma história universal. A pesquisa parte da hipótese de que algumas documentaristas assumem a escrita de si, a narração de suas histórias e a busca por definições próprias como uma forma de expressão artística. O projeto busca analisar e incentivar essa prática de maneira criativa.
Ao estudar a obra de mulheres cineastas, especialmente em Portugal e no Brasil, o projeto procura identificar possíveis trocas de experiências, conceito recorrente nos estudos feministas, que engloba subjetividade, sexualidade, corpo, educação e política. A reflexão realizada pelo Speculum destaca traços essenciais de documentaristas que produzem imagens sobre si mesmas, revelando seu lado mais íntimo e dialogando com o público, de uma forma artística de se expressarem.
O projeto é coordenado pela professora doutora Ana Catarina Pereira, da Universidade da Beira Interior (UBI) de Covilhã/Portugal; e conta com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, A Produtora Filmes e PNB Online.

























