O procurador de Justiça José Antônio Borges afirmou nesta quinta-feira (18) durante o evento Cibus Veritas (comida de verdade, em latim), na sede da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), que o estado de Mato Grosso ficou conhecido pela fome durante a pandemia de covid-19.
Em discurso na abertura do evento, que discute o combate à fome e a soberania alimentar no estado, o procurador afirmou que Mato Grosso ainda não produz alimento para a sua população.
“Nosso Estado de Mato Grosso possui 3.836.399 habitantes e há dois anos tínhamos 100 mil cidadãos em alto índice de insegurança alimentar, valendo lembrar que ficamos conhecidos como o Estado ícone da fome, com a fila do osso aqui perto no Bairro Morada da Serra, mesmo sendo o primeiro produtor nacional em soja, milho, gado, suíno, que são meras commodities para exportação”, afirmou o procurador.
O evento Cibus Veritas: Comida de Verdade para Todos, Agricultura Familiar contra a Fome tem o objetivo de fomentar o debate sobre políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, com foco na agricultura familiar como estratégia de enfrentamento à fome.
A iniciativa é da Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos, Minorias, Segurança Alimentar e Estado Laico, em parceria com o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) – Escola Institucional do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) e o Centro de Apoio Operacional (CAO) Direitos Humanos, Diversidade e Segurança Alimentar.
Segundo Borges, embora o Brasil tenha saído do Mapa da Fome mundial em 2025, o país continua a enfrentar um alto índice, com cerca de 28,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar entre 2022 e 2024, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo que 7,1 milhões vivenciam fome grave e 21,4 milhões têm insegurança alimentar moderada.
O procurador afirmou que, apesar do estado ser o mais produtor de soja do mundo, o produto não alimenta os mato-grossenses.
“Na geografia agrária é importante repetir o que já disse no início da minha fala, os alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, respeitando nossa cultura alimentar, são entre outros alimentos in natura, minimante processados, como: feijão, arroz, hortaliças, frutas da época, mandioca, laticínios, não são as chamadas commodities da soja e milho geneticamente modificados pelas empresas sementeiras internacionais, as quais detém o monopólio desses grãos e cobram royalties, produzidos pelos grandes latifúndios”, declarou.
Projeto Cibus
Segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público, o projeto promoveu uma escuta social junto às comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, pequenos agricultores e pessoas em situação de rua.
Em seguida, como projeto-piloto para demonstrar sua viabilidade pedagógica, financiou a compra de sementes e implementos agrícolas, com assistência técnica da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer). Foram implantadas hortas em 32 escolas de 10 municípios, cultivadas pelos próprios alunos para uso na merenda escolar, além de uma horta em território indígena no município de Canarana, no Vale do Araguaia.
Na segunda fase do projeto Cibus, o Ministério Público tem atuado junto ao Governo do Estado e à Assembleia Legislativa para viabilizar a criação de instrumentos legais que permitam a retomada das atividades dos Conselhos Estadual e Municipais de Segurança Alimentar.
Veja o discurso completo do procurador:
CIBUS VERITAS: Comida de Verdade para Todos, Agricultura Familiar contra a Fome
Cumprimento nosso Procurador-Geral de Justiça, Dr. Rodrigo Fonseca Costa, Cumprimento nosso Coordenador da Escola Institucional do Ministério Público, Dr. Antônio Sérgio Cordeiro Piedade,
Cumprimento aos colegas Promotores e Promotoras de Justiça aqui presentes,
Cumprimento aos nossos servidores do Ministério Público,
Cumprimento aos professores, professoras, acadêmicos e acadêmicas das
universidades: FASIPE, UFMT, UNIC e UNIVAG aqui presentes,
Cumprimento a Presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar,
Sra. Eurípia de Faria Silva, Cumprimento ao Presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Chapada dos Guimarães, Sr. Antônio Divino da Costa, Cumprimento ao representante da Comissão Pastoral da Terra que atua na região do Araguaia, Padre Luis Cláudio,
Meu agradecimento aos representantes da EMPAER, INCRA, AMM e FETAGRI pelo apoio na divulgação deste evento, Meu agradecimento especial aos palestrantes e às palestrantes que prontamente aceitaram ao convite para somar conosco na importante pauta da segurança alimentar e nutricional, são eles:
• Dr. Julian Perez Cassarino que abordará o tema: “A necessidade do enfoque da segurança alimentar e nutricional nos sistemas alimentares”.
• Dra. Sophie Deram que abordará o tema “Comer Sem Culpa”.
• Dr. Valter Palmieri Junior que abordará o tema “Comer mal não é escolha: desigualdade social, tempo e ultraprocessados”.
• Dra. Márcia Montanari que abordará o tema “Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional a partir da perspectiva dos modelos de produção, distribuição e acesso aos alimentos”.
SENHORAS E SENHORES
A seca registrada no século passado no nordeste brasileiro e que sofre até hoje, em parte advinda do desmatamento do Pau Brasil da Mata Atlântica feita pelos invasores portugueses, levando o retirante nordestino buscar sobrevivência no sudeste, são os primeiros registros de refugiados climáticos.
E, agora, no sul do País, também teremos refugiados climáticos pelo excesso de chuvas, com isso, na música dos compositores Sá e Guarabyra, popularizada na voz do cantor Alceu Valença, pode ser acrescentado um refrão: “o Rio Grande do Sul vire mar também”, com o completo degelo das calotas polares até 2050, uma vez que já chegamos no ponto de não retorno da mudança climática.
Em decorrência disso, o Sistema Terra, desde a revolução industrial, vem paulatinamente cambiando da ERA DO HOLOCENO, considerando que o ser humano transformou-se em fator geológico, fundando a ERA DO ANTROPOCENO, onde as populações mais carentes de recursos já são e serão as maiores vítimas da crise climática.
Cabe observar que a agricultura familiar que abastece a mesa brasileira, apesar de cultivar apenas 25% das terras férteis do nosso País e serem 77% dos estabelecimentos rurais, é responsável pela produção de hortaliças, arroz, feijão, mandioca, laticínios e verduras, os quais ainda representam,
felizmente, 70% da composição alimentar do brasileiro, apesar do lobby da indústria mundial dos ultraprocessados e o sonho do dono da IFOOD, de que ninguém mais faça comida em casa na próxima década e que todos comprem seus alimentos viciantes, carregados de sal, açúcar, conservantes e com sabores artificializados.
Vale destacar que os ultrapocessados foi terminologia cunhada cientificamente pelo professor Doutor Carlos Augusto Monteiro com sua equipe do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP. Lembrando que Mato Grosso será afetado cada vez mais com o desmatamento da Amazônia Legal e do cerrado, com a diminuição dos rios voadores que trazem chuvas também beneficiando os plantadores de soja.
Prova disso, é o grande número de recuperações judiciais do agronegócio de grandes empresas com um ano de muita seca e outro de muita chuva. Estamos vivendo uma esquizofrenia social e já se planta soja no Estado da Amazônia, nos municípios de Humaitá, Lábrea e Canutama, isso mesmo senhores, estão plantando soja no coração do principal estado amazônico. Segundo IPEA, o Brasil produz alimentos capaz de alimentar 800 milhões de pessoas, ou seja, 4 vezes mais que nossa população que gira em torno de 213 milhões de habitantes. Nosso Estado de Mato Grosso possui 3.836.399 habitantes e há dois anos tínhamos 100 mil cidadãos em alto índice de insegurança alimentar, valendo lembrar que ficamos conhecidos como o Estado ícone da fome, com a fila do osso aqui perto no Bairro Morado da Serra, mesmo sendo o primeiro produtor nacional em soja, milho, gado, suíno, que são meras commodities para exportação. Embora, felizmente, tenhamos saído do Mapa da Fome mundial em 2025, o país continua a enfrentar um alto índice nesta situação inaceitável, com cerca de 28,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar entre 2022 e 2024, conforme dados da ONU, sendo que 7,1 milhões vivenciam fome grave e 21,4 milhões têm insegurança alimentar moderada. A saída do MAPA DA FOME, indica que menos de 2,5% da população está subnutrida, mas não que a insegurança alimentar tenha terminado no país.
Aliás, há um autoengano com a pandemia da obesidade que vem aumentando vertiginosamente no mundo e, no Brasil, não foge a regra, estar acima do peso ideal não significa alimentação saudável com micronutrientes indispensáveis que os ultraprocessados não fornecem, conforme divulgado na semana passada pela UNICEF, com a alarmante constatação de que a obesidade superou o baixo peso e se tornou a forma mais comum de má nutrição entre crianças e adolescentes. Em 190 países mostra que o baixo peso caiu de 13% dos dados 2000 para 9,2% atualmente, enquanto as taxas de obesidade subiram de 3% do ano 2000 para 9,4% atualmente. Ultraprocessados são vazios de micronutrientes e mais baratos. A título de comparação, um pacotinho de macarrão instantâneo da turma da Mônica custa mais barato que uma banana.
A fome e a miséria não têm dono e ninguém eleitoralmente pode ser titular ou se intitular o grande Pai dos famintos, aliás donos da fome são os subcidadãos que sentem a barriga roncando e a dor no estômago com a vista escurecendo, como vivido na adolescência e declarado pela cantora Elza Soares que, na década de 1940, relatou que foi cantar no programa de rádio do Ari Barroso para matar a fome e o apresentador, vendo aquela menina vara pau, perguntou: “o que você quer aqui neguinha”?. E ela, mesmo esquálida, soltou sua potente voz e saiu da fome pela sua arte, sendo que no ano de 2019 fez o álbum musical PLANETA FOME, que os senhores ouviram aqui antes de começar nosso encontro.
A Sociedade Civil, esta sim, na década de 1990, liderada pelo Sociólogo Hebert José de Souza, carinhosamente chamado de Betinho, após ter voltado do exílio político que a ditadura militar lhe impôs e sua luta agora alicerçada num regime democrático de direito como ativista dos direitos humanos e fundador do MOVIMENTO AÇÃO DA CIDADANIA CONTRA A MISÉRIA E PELA VIDA, fez despertar a realidade para que políticas públicas começassem a ser programas de ESTADO, independente do governo de plantão, recebendo apoio da discretíssima Socióloga Ruthe Cardoso, mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que criou o PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDÁRIA, e, depois, dando sequência em outros governos social-democrata com evolução dos programas e transformados em direitos sociais, como é o caso da Emenda Constitucional 90/2015 que introduziu A ALIMENTAÇÃO como direito social no artigo sexto, e a Emenda Constitucional 114/2021 que trata da renda básica familiar constitucionalizada e regulamentada pela Lei 14.601/2023 que normatiza o Programa Bolsa Família.
Importante marco legal na temática do nosso encontro foi a aprovação da Lei 11.346/2006, que criou o SISTEMA NACIONAL ALIMENTAR E NUTRICIONAL – SISAN, com a participação da sociedade civil nos CONSEAS – Conselhos de Segurança Alimentar no âmbito Federal, Estadual e Municipal, traçando e acompanhando a política pública de combate a fome.
Na geografia agrária é importante repetir o que já disse no início da minha fala, os alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, respeitando nossa cultura alimentar, são entre outros alimentos in natura, minimante processados, como: feijão, arroz, hortaliças, frutas da época, mandioca, laticínios, não são as chamadas commodities da soja e milho geneticamente modificados pelas empresas sementeiras internacionais, as quais detém o monopólio desses grãos e cobram royalties, produzidos pelos grandes latifúndios.
Daí a importância da valorização dos cinturões verdes entorno das cidades que propõe o Projeto de Lei 1.869/2022, que visa alterar o Estatuto da Cidade, diminuindo a logística de transporte e a pegada de carbono próximo aos consumidores locais. Situação idêntica já estabelecida pela Lei 11.947/2009, que regulamenta a merenda escolar com a prioridade na compra de produtos da agricultura familiar com comida de verdade feito pelas merendeiras, sem entrada de ultraprocessados nas escolas do ensino infantil e fundamental.
Neste mesmo caminho constitucional, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, como defensor da sociedade, no ano de 2020 criou o Centro Operacional dos Direitos Humanos, incluindo Segurança Alimentar, que no ano seguinte idealizou o projeto CIBUS, palavra em latim que significa:
comida, alimento, que inicialmente fez a escuta social das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, pequenos agricultores e moradores em situação de rua.
Fica aqui meu reconhecimento na construção desse projeto aos colegas Maria Coeli e Henrique Schneider, incansáveis nesta luta. Também, num projeto-piloto, para mostrar a viabilidade pedagógica, financiamos a compra de sementes e implementos agrícolas, com assistência técnica da EMPAER, implantando hortas dentro de 32 escolas, em 10 municípios; hortas plantadas pelos próprios alunos para utilizarem na merenda escolar, bem como em um território indígena em Canarana, no Vale do Araguaia. (terra indígena Xavante: Aldeia Wamariwe – Uámariuê).
Agora, na segunda fase do projeto CIBUS, que hoje fazemos este encontro com a sociedade civil, coroando essa fase, trabalhamos fazendo o lobby do bem, buscando o arcabouço legal junto ao Governo do Estado e Assembleia Legislativa que aprovou a Lei 11.860/2022, que trata da POLÍTICA ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL, bem como o Decreto Estadual nº 322, de 31 de maio de 2023, que aprovou o PLANO ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E DESENVOLVEDOR SOCIOPRODUTIVO; e, por fim, o Ato nº 2.292/2023, que nomeou os membros do Conselho Estadual de Segurança Alimentar, hoje presidido pela Senhora Euripia de Faria Silva, que representa a Pastoral da Criança.
Já encerrando minha fala, fazendo um paralelo, temos o Sistema de Justiça delineado na Constituição Federal onde fazem parte o Poder Judiciário, o Ministério Público, Advogados Públicos e Privados e Defensoria Pública que formam esse arquipélago integrativo da prestação jurisdicional.
No mesmo sentido, quando falamos do SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, não podemos pensar que os médicos são o centro do núcleo da política prioritariamente curativa de doenças, mas que o sistema SUS, precisa cada vez mais trabalhar e valorizar os profissionais da NUTRIÇÃO E EDUCADORES FÍSICOS que deveriam estar em todas as UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE, as quais dão suporte na atenção primária, pois 70% das doenças que aportam no sistema não são infectocontagiosas e sim doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), tais como diabetes,
colesterol, hipertensão.
Nas palavras do médico Drauzio Varella e do profissional de Educação Física com mestrado na faculdade de Nutrição da USP com a tese NUTRIÇÃO APLICADA AO EXERCÍCIO FÍSICO E DOENÇAS CRÔNICAS, Márcio Atalla, dizem que o SISTEMA SUS já colapsado financeiramente pela alta demanda crescente pelos maus hábitos alimentares e sedentarismo, não haverá dinheiro suficiente para suportar essas doenças crônicas, e por isso, temos que sair da medicina curativa e buscar a medicina integrativa preventiva com esses profissionais especialistas em alimentação e exercícios físicos.
O Canadá, que tem um Sistema de Saúde universal gratuito, tal qual o nosso SUS, há anos verificou que para suportar os custos era preciso mudar sua política de saúde, que agora é integrativa e conta com vários profissionais para diminuir os custos, fomentando nutrição equilibrada e atividade física para barrar doenças de média e alta complexidade.
Mas na base desse raciocínio de saúde integrativa preventiva estão os nossos imprescindíveis pequenos agricultores que produzem a nossa comida de verdade e saudável, minimamente processada, e, tal qual, não devemos demonizar os grandes latifúndios que trazem divisas ao país com a venda das commodities, desde que respeitem as leis ambientais e não destruam os biomas do pantanal, cerrado e amazônia.
Precisamos que os pequenos produtores tenham sim suas terras legalizadas, incentivos fiscais e financiamento de safra e mecanização, sem demonizar, também, o MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS DOS SEM TERRA, que buscam esse direito à terra e tem modelos de sucesso nesta produção familiar e mantém seus filhos na terra, evitando êxodo rural.
Espero que esse evento atinja seus objetivos de desmitificar que o Mato Grosso seja apenas uma fazenda industrial de commodities, sem que isso reflita na qualidade de vida do seu povo com uma distribuição de renda mais justa com base no modelo capitalista social-democrata com justiça social.
Agradeço a presença de todos.