
O racismo no Brasil costuma se manifestar de forma dissimulada, diferente do modelo norte-americano, marcado por agressões abertas e violentas. A avaliação é do promotor de Justiça Wagner Antonio Camilo, que participou, nesta segunda-feira (22.09), da estreia do projeto Diálogos com a Sociedade, em Rondonópolis (a 212 km de Cuiabá).
“Muitas vezes o racismo no Brasil tem a característica da dissimulação, do racismo velado”, disse o membro do Ministério Público de Mato Grosso, entrevistado pelo jornalista Paulo Canevazzi.
Ao longo da conversa, Camilo abordou crimes de racismo e injúria racial, destacou condenações recentes, como a do humorista Léo Lins, e lembrou episódios históricos, como o da bailarina norte-americana Katherine Dunham, impedida de se hospedar em hotel de luxo em São Paulo nos anos 1950, caso que levou à criação da primeira lei brasileira contra a prática, a Lei Afonso Arinos.
O promotor citou também a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos após a recusa de uma pesquisadora negra em vaga de emprego em São Paulo. Para ele, o episódio expôs a falha estrutural do país em investigar e punir esse tipo de crime.
Segundo Camilo, o racismo no Brasil muitas vezes se apresenta como “brincadeira” ou “humor”, prática que ele classificou como racismo recreativo. “Nessa roupagem, esconde-se um discurso de desvalorização tão profundo que humilha as pessoas colocadas nessa situação”, afirmou.
Ele diferenciou ainda injúria racial de racismo. A primeira é direcionada a uma pessoa ou grupo específico; a segunda, mais ampla, atinge coletivamente todos os que compartilham da mesma identidade. “Ao afirmar que negros não têm inteligência para determinado trabalho, pratica-se racismo contra todos”, explicou.
Sobre a condenação de Léo Lins, que recebeu pena de oito anos e três meses de prisão, o promotor ressaltou que o crime não foi o show em si, mas a divulgação de trechos nas redes sociais. “Ele publicizou um discurso racista, atingindo milhões de pessoas numa sociedade já marcada pela discriminação”, disse.
Camilo também afirmou que o racismo não afeta apenas pessoas negras, mas indígenas, nordestinos e homossexuais. Para ele, o histórico de 386 anos de escravidão e a falta de integração da população negra após a abolição explicam a pobreza estrutural que persiste até hoje. “Vivemos em um país de população majoritariamente negra. Hoje, 56% dos brasileiros são negros”, afirmou.
O promotor defendeu que o Ministério Público atue não apenas na punição, mas também na conscientização da sociedade. “Precisamos evoluir e perceber que essas condutas já não cabem mais no nosso momento atual”, declarou.
O projeto Diálogos com a Sociedade conta com apoio de empresas e entidades como Amaggi, Aprosoja-MT, Ampa, Energisa, Oncomed-MT, Nova Rota do Oeste, Unimed-MT, entre outras.