Sai do bolso dos consumidores de energia elétrica do Estado o pagamento de receita fixa para a Empresa de Transmissão de Energia de Mato Grosso (ETEM), responsável por operar uma linha de transmissão entre Cuiabá e Nobres, que faturou, desde 2010, R$ 191 milhões com recursos pagos pelos próprios cidadãos.
No modelo atual desenhado da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as empresas que transmitem energia elétrica –principalmente através dos chamados “linhões” – recebem uma Receita Anual Permitida (RAP), que é paga pelos próprios consumidores de energia. O faturamento da empresa da família Mendes cresceu 92% desde 2013. Dados da Aneel, apontam que Mato Grosso tem a sexta conta de luz mais alta do país.
Cada ano, as transmissoras possuem uma nova RAP, que é atualizada pela Aneel. Para o ciclo 2025-2026, a RAP da Empresa de Transmissão de Energia de Mato Grosso foi fixada em R$ 20.533.532,75. O negócio é altamente lucrativo para as transmissoras que podem, ainda, vender energia no mercado livre.
Em 2024, a Etem faturou R$ 23,3 milhões e teve um lucro líquido de R$ 12 milhões. No mesmo ano, a Receita Anual Permitida foi de R$ 19,4 milhões.

Graças ao aumento sucessivo das receitas das transmissoras e das distribuidoras, a energia também fica mais cara. Neste ano, houve um aumento da RAP de 9,14% em relação ao ciclo anterior. O efeito médio estimado para o consumidor final em distribuição será um aumento de 1,06%, segundo a Aneel.
A exemplo de outras transmissoras, a empresa da família de Mauro Mendes recebeu sucessivos aumentos de sua receita permitida, publicados pela Aneel nos últimos anos. A receita da empresa saltou de R$ 11 milhões em 2013 para R$ 21 milhões em 2025.
A Etem pertence ao filho do governador, o empresário Luis Antônio Taveira Mendes. Além dele, é sócio da empresa Fernando Robério Borges Garcia, o Berinho, pai do secretário da Casa Civil, Fábio Garcia.
A empresa também tem como sócios outros figurões do setor elétrico em Mato Grosso, como Enio Luigi Nucci, José Eduardo Greco Pinheiro e Marcelo Tosto de Oliveira Carvalho. Também é sócio da companhia o empresário Marcelo Patrício Fernandes Costa.
Concessão do linhão
A Etem venceu um leilão da Aneel e assinou o Contrato de Concessão 005/2010. Na época, o próprio Mendes assinou o contrato através da empresa Bimetal Indústria Metalúrgica LTDA.
Atualmente, a família Mendes está representada na empresa pela Sollo Energia, que detém 37% das ações, enquanto a Alupar possui 62,7%. A linha de transmissão entrou em operação em dezembro de 2011. O prazo para explorar a linha de transmissão vai até 2040.
O Estatuto da Companhia prevê que os acionistas podem receber 25% do lucro líquido da companhia. No próprio site, a companhia afirma que é uma das que mais faturam com a conta de energia elétrica, através do RAP.
“A Companhia é a maior companhia 100% privada e uma das cinco maiores no segmento de transmissão de energia elétrica no Brasil, em termos de RAP”, diz trecho de apresentação.
A ETEM cobre aproximadamente 235,0 km de linha de 230 kV. O objetivo deste sistema é atender a expansão do sistema elétrico nacional, através do escoamento do excedente de geração do estado de Mato Grosso e atendimento a região metropolitana de Cuiabá.
Mauro Mendes e a taxação do sol
A partir de 2019, o governador Mauro Mendes começou uma verdadeira cruzada contra os painéis de energia solar em Mato Grosso. Para isso, Mendes tentou, por exemplo, reverter uma ação judicial do Partido Verde que barrou a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a energia solar no estado.
O aumento dos painéis solares impacta diretamente as distribuidoras, como é o caso da Energisa MT, e as transmissoras, como é o caso da empresa da família de Mauro Mendes, a Etem. Com o aumento dos painéis, os consumidores pagam menos pela energia distribuída e transmitida por estas empresas concessionárias.
Um projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), de autoria do deputado Faissal Calil (Republicanos), garantia a isenção de cobrança do ICMS. O texto, aprovado em maio de 2021, foi vetado por Mauro Mendes um mês depois, que entendeu que a legislação seria inconstitucional de acordo com um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE).
Mais tarde, atendendo aos anseios do governador, a ALMT manteve o veto de Mauro sobre a isenção. Apesar de dizer que é contra a cobrança de imposto, Mendes nunca atuou diretamente para impedir a cobrança. Em uma de suas declarações mais polêmicas, ele disse que “ricos” usam energia solar, enquanto o restante da população usa energia elétrica.
“O Confaz não aprovou o incentivo fiscal sobre uma parcela desse ICMS. Agora, cá para nós, 99% dos mato-grossenses pagam ICMS sobre energia elétrica. Alguns mais ricos têm condição de pôr [energia solar] e não querem pagar nada? Oras!”, disse o governador ao ser questionado sobre polêmica.
Mais tarde, Mendes vetou outra lei, dessa vez de autoria de Carlos Avallone (PSDB), para multar a Energisa MT no caso de cobrança de ICMS de energia solar.
Em janeiro deste ano, o Ministério Público de Mato Grosso e a Energisa anunciaram que estão em tratativas para um acordo que solucione a questão da cobrança de ICMS sobre a energia solar.
Apesar de não ter um desfecho, a confusão em torno da energia solar em Mato Grosso, acabou provocando uma retração no setor. Segundo informou o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Thiago Vianna, a queda registrada no setor chegou a 70% em Mato Grosso no comparativo entre 2022 e 2023.
Renovação da concessão da Energisa
Alvo de críticas pelo serviço oferecido, a Energisa MT terá seu contrato de concessão vencido em dezembro de 2027. Deputados estaduais e federais, além de senadores, estiveram no dia 16 de setembro em Brasília para discutir com o Ministério de Minas e Energia os rumos da prestação de serviços de distribuição de energia no estado.
A principal preocupação é a possível renovação automática do contrato, que precisa ser decidida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com 18 meses de antecedência. Parlamentares alertam que os 142 municípios de Mato Grosso acumulam reclamações contra a concessionária, que aplica uma das tarifas mais altas do país sem oferecer, segundo eles, a devida qualidade na ponta.
Segundo o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Sérgio Ricardo, a Energisa MT é a principal responsável pela falta de industrialização do estado, que ainda possui uma economia essencialmente agrícola, e atrasada em relação a estados mais desenvolvidos, como São Paulo e Goiás, onde as indústrias se espalharam nos últimos anos.
“Pouquíssimos municípios têm energia trifásica. Não tem como uma indústria se instalar sem isso. Não tem como Mato Grosso se desenvolver se não for pela industrialização que gera emprego”, criticou.